Nunca pensei que me colocassem nesta posição. Juntei-me à Juventude hitleriana há algum tempo e, nessa altura, tudo fazia sentido. Agora? Agora tenho dúvidas. Dúvidas acerca do que é certo ou errado. Acerca do rumo da minha vida. Neste momento estou encarregue de assentar os nomes dos judeus que por nós passam. Abraham Aharon. Benesh Efraim. Vão de A a Z. São centenas. Milhares. Alguns ainda me sorriem. Outros olham-me com desprezo. Outros, e são esses os que mais me fazem sentir que estou errado, olham para mim com olhos tristes, olhos transparentes, através dos quais quase lhes vejo a alma. Se ao menos também eles pudessem ver a minha. Se pudessem ver o dia em que tentei libertar-me de tudo isto e ameaçaram matar as minhas filhas se o fizesse. Mas não. Tudo o que vêem é um porco de um alemão. Nada mais que isso.
Ontem a minha mais nova perguntou-me o que faço durante o dia. Trabalho para que quando cresças possas viver num país melhor, respondi. Mas nem eu acredito nisso. E proíbem-me sequer de pensar em tal coisa. Olho e vejo o sofrimento na cara de cada judeu.
Ali ao fundo, está a haver confusão. Vou ver o que se passa. Um casal de jovens namorados, talvez sejam casados há pouco tempo. Estão agarrados um ao outro e recusam-se a entrar em vagões diferentes. Vejo que ambos choram. Vejo os meus colegas a separá-los à força. Desejo não estar aqui. Desejo não ver tudo isto, desejo não participar. Separam-nos. Viro as costas e tento abstrair-me dos gritos, da dor. Sinto não só os olhos inundados, mas também a alma. Oiço os gritos, sinto o esforço dos meus colegas a agarrar cada um dos enamorados. Dói-me. Tenho vontade de gritar. Gritar bem alto que não é justo! Que são pessoas, não animais. Que nunca nos fizeram nada de mal. Ou fizeram?
Sinto a cabeça a latejar. Tento afastar-me, mas as minhas pernas não se movem. Ponho as mãos na cabeça e tento que a dor passe. Mas não passa. Sinto-me desesperado. Quero sair daqui!! Não quero ouvir mais gritos à minha volta. Passei o dia a ver mães a ser separadas de filhos, maridos de mulheres, irmãos de irmãs. Penso na minha mãe, na minha mulher, nos meus irmãos, nas minhas filhas. Oiço um tiro. Viro-me e receio a visão que terei. Eu sabia. Sabia que isto ia acontecer. Se eles derem problemas, matem-nos. Foi o que nos disseram. Olho e vejo o rapaz, que há pouco lutava pelo direito de dar à sua amada um último beijo de despedida, deitado no chão. O sangue que sai do seu peito mistura-se com as lágrimas da mulher. Agora, morto, pode receber o último beijo. Tento não pensar nas fantasias, nos planos, nos momentos felizes que terão passado juntos. Viro-me novamente e dirijo-me à mesa instalada perto dos vagões.
Sento-me e pergunto o nome da velhinha que está à minha frente. Deve ter uns 80 anos. Lembra-me a minha avó. Com um casaco castanho e uma estrela de David no braço, olha-me com olhos esperançados. Miller, responde-me. Ruth Miller. Há alguma maneira de sair daqui?. Há, respondo, entre para o vagão e não se preocupe. Olha para o vagão e, com uns olhos cansados, responde Obrigada... E dirige-se para o vagão.
Desculpem-me, esta foi uma tentativa minha de tentar pensar nas coisas vistas de uma outra perspectiva.
Ontem a minha mais nova perguntou-me o que faço durante o dia. Trabalho para que quando cresças possas viver num país melhor, respondi. Mas nem eu acredito nisso. E proíbem-me sequer de pensar em tal coisa. Olho e vejo o sofrimento na cara de cada judeu.
Ali ao fundo, está a haver confusão. Vou ver o que se passa. Um casal de jovens namorados, talvez sejam casados há pouco tempo. Estão agarrados um ao outro e recusam-se a entrar em vagões diferentes. Vejo que ambos choram. Vejo os meus colegas a separá-los à força. Desejo não estar aqui. Desejo não ver tudo isto, desejo não participar. Separam-nos. Viro as costas e tento abstrair-me dos gritos, da dor. Sinto não só os olhos inundados, mas também a alma. Oiço os gritos, sinto o esforço dos meus colegas a agarrar cada um dos enamorados. Dói-me. Tenho vontade de gritar. Gritar bem alto que não é justo! Que são pessoas, não animais. Que nunca nos fizeram nada de mal. Ou fizeram?
Sinto a cabeça a latejar. Tento afastar-me, mas as minhas pernas não se movem. Ponho as mãos na cabeça e tento que a dor passe. Mas não passa. Sinto-me desesperado. Quero sair daqui!! Não quero ouvir mais gritos à minha volta. Passei o dia a ver mães a ser separadas de filhos, maridos de mulheres, irmãos de irmãs. Penso na minha mãe, na minha mulher, nos meus irmãos, nas minhas filhas. Oiço um tiro. Viro-me e receio a visão que terei. Eu sabia. Sabia que isto ia acontecer. Se eles derem problemas, matem-nos. Foi o que nos disseram. Olho e vejo o rapaz, que há pouco lutava pelo direito de dar à sua amada um último beijo de despedida, deitado no chão. O sangue que sai do seu peito mistura-se com as lágrimas da mulher. Agora, morto, pode receber o último beijo. Tento não pensar nas fantasias, nos planos, nos momentos felizes que terão passado juntos. Viro-me novamente e dirijo-me à mesa instalada perto dos vagões.
Sento-me e pergunto o nome da velhinha que está à minha frente. Deve ter uns 80 anos. Lembra-me a minha avó. Com um casaco castanho e uma estrela de David no braço, olha-me com olhos esperançados. Miller, responde-me. Ruth Miller. Há alguma maneira de sair daqui?. Há, respondo, entre para o vagão e não se preocupe. Olha para o vagão e, com uns olhos cansados, responde Obrigada... E dirige-se para o vagão.
Desculpem-me, esta foi uma tentativa minha de tentar pensar nas coisas vistas de uma outra perspectiva.